quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Comédias da vida exposta...

O belo céu de outono era o que eu mais precisava naquele momento. Um céu que oferecia a paz que há muito não sentia. Não pude contemplar as nuvens que anunciavam um prenúncio de chuva. Aquele momento era único, era a minha morte. Minha tão sonhada morte.
Eu ali estendido naquela avenida movimentada, que deixara de sê-la, por minha causa. Tudo parado por conta de um acontecido que aconteceu tão rápido a ponto de nem sentir o choque da batida, sequer meu corpo fora lançado meia quadra longe. Apenas perdi os sentidos e caí ali mesmo. Tudo parou, todos deixaram seus afazeres para me ver ali dando o último suspiro, mas não, eu ainda respirava.
Quando abri os olhos, o céu. Aquela imagem nublada foi se perdendo, devido às centenas cabeças curiosas que foram se enfiando diante de minha visão.
A sirene do resgate, um falatório inaudível, um sujeito de nariz avermelhado adentrando-se em meio à multidão, gritando palavras chulas e dizendo “pobre infeliz!”
Nunca estive melhor, pensava comigo mesmo. Afinal, eu estava morto!
“Ele está vivo!” Foi o que o tal sujeito do nariz vermelho gritou, emendando um baita palavrão. Notei que não era um sujeito qualquer, era um palhaço. Não no sentido pejorativo, mas é que aquela figura lembrava a minha infância e...
As pessoas engravatadas ao redor do meu corpo continuavam a contemplar minha tragédia em meio à gargalhada embriagante daquele sujeito que falava sem parar: “pensou que ia se livrar do aluguel?!”... E ria, feito uma hiena...
Como ele sabia que eu pagava aluguel? Isso me fazia crer que de fato tudo havia acabado. Eu estava doutro lado da vida e esse bonachão colorido nada mais era do que um anjo exótico.
Impossível! Duvido que anjos conheçam tantos palavrões assim. Seria, quem sabe, o tinhoso? Não sei... Talvez... Mas o que me vem à memória é que houve momentos em minha vida em que, estando assim, meio de bobeira, um xingamento hilário surgia em minha mente corroída pela preocupação e eu começava a rir. Rir sem parar... Isso me dava uma sensação de leveza... Seria ele o responsável por tal pensamento que me divertia feito uma criança? Aquilo me ajudava a esquecer as minhas angústias e me relaxava de tal forma que nem culpado me sentia pelo pensamento de baixo calão. Se é que eu deveria me sentir assim... Acho que o sujeito de nariz vermelho era mesmo um anjo e eu fui parar no céu... Que céu estranho!
Estranho porque eu ainda estava ali! Ali deitado, ouvindo o vozerio de curiosos adormecidos...
De repente, do nada, senti minhas pernas. Escapei da morte, pensei... “Mas não dos cobradores”, emendou o palhaço, gargalhando da piada sem graça que fizera. Mas não ficou apenas nisso, o clown, num súbito gesto inconsequente, levantou-me daquele chão, segurando-me apenas pelo colarinho, da camisa amassada (que eu me esquecera de passar) e, aos berros, elucidava uma série de sermões ofensivos que eu preferia não ter nascido a ter que ouvir aquilo: “Meu filho, o show acabou, volte à realidade dos fatos dessa sua vida corriqueira, repleta de sonhos incongruentes, te amos sem ereção e te quero não te quero pra sempre nunca, meu ódio amor... Você sabe do que estou falando?”
Não! Não vi mais nada! Simplesmente acordei no leito do Hospital que tanto critiquei, pela falta de médicos. Uma enfermeira estrábica sorria... “São só alguns exames, meu filho! Logo estará liberado”
- Cadê o palhaço?
- Que palhaço?
- O anjo! Sabe, ele é um anjo diferente, ele se veste de palhaço...
- Calma, meu filho! Você bateu a cabeça...
Ploft! (...)
A enfermeira aplicou um sossega leão em mim. Dormi uma eternidade. Quando acordei estava com a cara em cima da papelada, na mesa do escritório... Era apenas um sonho... Tudo não passara de um sonho que não me sai da mente.
O engraçado é que há dias tento imitar aquela ingênua gargalhada indecente do anjo-palhaço, mas não consigo...
Pois é, estive com um ser divino que, ao invés de me conduzir ao céu ou ao inferno, preferiu dar-me uma nova chance! A chance de continuar vivendo as comédias da vida exposta! Espera aí! Comédias da vida exposta?

Um comentário:

  1. Valeu pela crônica Érico, gosto muito de ler e escrever crônicas e a tua está bem ao estilo que eu gosto. Dei boas risadas enquanto lia. Parabéns.

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