terça-feira, 16 de novembro de 2010

NA SALA DE AULA


(Uma mulher está trancada em uma sala de aula que, assim como todas, não é usada pra mais nada. A mulher está com um giz na mão, rabiscando a lousa, o chão, a parede, as carteiras... Lê, em voz alta, tudo que escreve. Vê no chão uma laranja. Corta-a com os dentes, procura algum caroço e, ao encontrá-lo, começa a divagar)

MULHER: Sabe o que é isso? Um laranjal.  (Põe na boca o caroço, mastiga um pouco e depois o cospe fora) Havia um campo na minha boca. Cuspi uma plantação inteira no canto da minha ignorância (Para. Olha ao redor) Vocês já estão prontos? Prontos pra me receberem? (Leva a mão à cabeça) Que Deus te abençoe, minha filha... Aleluia! Vai com Deus! Viva a gramática governativa, prescritiva, suicida... (Começa a falar enrolado, depois retoma, pegando outro giz) Cada palavra aprendida é a oportunidade de mudar o mundo à minha volta... Mudar... (Para a carteira vazia) Você quer ser você mesmo? E você, quer ser você mesma? (Pega um espelho que estava jogado no chão) Seja algo melhor do que ser você mesmo (Olhando pra cima) Ter tudo na vida? Quem quer ter tudo na vida? Quem teve tudo na vida? Onde guardarei tudo que quero? Vou guardar no cofre da minha tumba! Quem me quis? Onde guardei minha última ilusão? Dentro de mim... Mas não contei pra ninguém... Só pra mim mesma, posto que sou ninguém! (Diante do espelho) Hipócrita! Criaste provas de aritmética em vez de coragem. O medo só existe quando se crê que o Estado é justo... Há muito que temer... Eu... Eu não... Eu não sou eu... Não sou ego... Sou pura... Santa... Decente... Docente... Um doce... Tia... Dona... Filha da...  (Cutucando o dente) Diacho... Caroço de laranja no dente. Laranjal inteiro na minha obturação... Agora tenho um hectare na minha boca... Um hectare que não uso pra nada... Um hectare preste a ser invadido... Invada-me! Desde que seja de língua (beija a lousa).

Nenhum comentário:

Postar um comentário