quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A PESSOA E O CERTO ALGUÉM

   O sujeito caminhava pela avenida movimentada, indiferente a todos. Viu que sob a velha ponte que dividia a cidade, uma família, excluída do sistema, fazia daquele lugar seu abrigo. Quis ser mau, egoísta, virar as costas e fingir que tal cena não estava ocorrendo, bem ali, à sua frente. Não conseguiu... Ao se virar, sentiu um aperto no peito e, na ponta do calçado novo, uma gota de lágrima caiu... Notou que chorava. Tirou os óculos de grau para enxugar os olhos malcriados, desobedientes e constatou que sem aquelas lentes corretivas era completamente cego. Decidiu então jogar fora aquele objeto que desnudava o mundo e o fazia se sentir culpado... Saiu cambaleante, escorando em muros e sarjetas a fim de chegar logo em casa, sem precisar ver o que não queria, sem precisar chorar o que não devia, sem precisar pensar em caridade, no próximo ou em qualquer coisa do gênero... Tropeçou em algo que lhe disse “Hei! Cuidado!”. A queda foi instantânea, súbita. Caiu e ali ficou. Sem forças, sem ânimo, sem trabalho e agora abandonado... Entregue ao acaso...



   Doutro lado da rua, uma pessoa, acompanhada de um certo alguém, fez um pequeno comentário: “Nossa! Como vem aumentando o número de desabrigados neste país..."


   A pessoa que fizera o comentário também usava óculos! Mas o certo alguém que estava com ela nunca necessitou de lentes corretivas... Nunca! Jamais! 

   E foi por isso que o certo alguém questionou a tal pessoa com a seguinte máxima:

  - Tá delirando? Do que você está falando?

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