sábado, 2 de outubro de 2010

“A mui grande paixão Del Rei Taínha – O Rei do Caramelo”

(Praça central. Um mendigo está deitado num banco. De repente, é jogado um guarda-chuva grande no palco. Curioso, o mendigo abre o objeto. Subitamente, um som forte se ouve. Variação de luz. Barulho ensurdecedor. Efeitos que inferem um tufão. Mendigo tenta se proteger. Variação de luz se intensifica e uma explosão se ouve. Em meio a esse estouro aparecem quatro seres estranhos: Autoritário, Engraçado, Confuso – que traz um pequeno bumbo e, por fim, Melindroso – o mais chorão. Estão caracterizados com roupas referentes a outro tempo e usando máscaras. Aparecem assustados, um pouco zonzos com tudo e ficam olhando ao redor, sem entender nada. Mendigo, agora assustado, acompanha de perto toda a ação da trupe)

Confuso: (Olhando ao redor) O que houve conosco?

Melindroso: (Tremendo de medo) Não me lembro...

Confuso: (Olhando as mãos) Cadê? Aonde foi parar? (Engraçado descobre o público e começa a encará-lo)

Engraçado: (Encarando o público) Vejam isso... Não nos informaram que estariam aqui... (A trupe também encara o público. Mendigo fica procurando enxergar o que eles tanto encaram. Começa um falatório entre o grupo, todos ficam nervosos, ansiosos – Ninguém percebe a presença do mendigo)

Autoritário: Quietos! Presentes todos estão, mas este recinto... (Olhando) não me parece familiar...

Confuso: Não parece ser o bosque...

Autoritário: Tempo é a necessidade de nossa montagem e se aqui estão é porque este é o lugar, bem como o momento para nos apresentar...

Melindroso: Não está pronta, estamos em meio a um processo... De ensaios...

Autoritário: Cala-te! Decerto, vieram para vê-la!

Melindroso: Não é prudente... (Autoritário pega Melindroso pelo pescoço que fica tremendo de medo)

Autoritário: (Enfático) A peça está pronta e tenho dito! (Para todos) Os papeis já estão distribuídos, nada é mais salutar do que mostrar a mais nova montagem de nossa trupe aos cavalheiros e suas respectivas damas...

Engraçado: (Grita) Que comece então o espetáculo! (Confuso toca o bumbo. Mendigo intervém)

Mendigo: Só um minuto aí... Quem são vocês e o que estão fazendo aqui?

Autoritário: (Pergunta ao Engraçado – apontando para Mendigo) Conhece-o? (Engraçado faz que não. Para Mendigo) Nobre colega, não há tempo para prosa, estamos em meio a uma apresentação mui importante, não temos nenhuma moeda...

Mendigo: Moeda? (Quando vai tentar explicar, Autoritário intervém)

Autoritário: Silêncio! (Para todos) Comecem o espetáculo!

Confuso: Senhoras e senhores! É com muito orgulho que apresentaremos a maior peça de todos os tempos. Com vocês “A mui grande paixão del Rei Taínha – El Rei do Caramelo” (Todos aplaudem)

Mendigo: (À parte) Rei Taínha? Caramelo? (Todos aplaudem. Confuso toca o bumbo, todos os atores se preparam. Engraçado põe a coroa e se mostra triunfante)

Confuso: Abram alas para o Rei! (Todos reverenciam e depois aplaudem) Bravo! Bravo!

Melindroso: Majestade! Creio que o dia está lindo e...

Engraçado: Um momento!

Autoritário: Senhores, homens de boa fé, o rei irá falar.

Melindroso: Ó grande rei do ouvido, somos todos caramelos...

Engraçado: Eu o grande... (De repente, Melindroso boceja. Um som sutil. Uma chispa de luz. Algo estranho acontece) Eu...

Confuso: Sim?

Engraçado: Eu... Eu... Quem sou eu? (Todos riem, tentando disfarçar o mal-estar e começam a improvisar)

Autoritário: Ó grande rei que incrível vosso senso de humor (Puxa Engraçado de lado) Fala o texto... Estamos em meio a uma apresentação, seu idiota!

Engraçado: Que texto? (Melindroso interfere e improvisa)

Melindroso: O texto, majestade... (Engraçado sente-se perdido. Autoritário faz sinal para os outros continuarem o espetáculo improvisando, assim começam a dançar uma música qualquer)

Autoritário: (Pega o rei pelo colarinho e fala para o público – todo delicado) A história é sobre um rei apaixonado por uma linda camponesa.

Confuso: A bela plebéia morava ao redor do reino e também se apaixonara por ele. (Perguntando ao Autoritário) É isso mesmo? (Autoritário confirma. Engraçado se desvencilha de Autoritário, tira a coroa e vai saindo. Todos correm atrás, sem saírem das personagens, improvisando)

Melindroso: (Chorando) Volte aqui, majestade (Trazem Engraçado de volta)

Autoritário: O que há contigo?

Engraçado: Não sei? De repente esqueci quem sou...

Confuso: O senhor é o Rei Taínha, Rei do caramelo...

Engraçado: Caramelo? Não, não... Espere. Agora estou a me lembrar... Sou o Rei! Rei Édipo! (Muda a postura, a interpretação – dirige-se para os demais que se assustam) Tebanos, meus filhos, por que vindes aqui perante mim com esses ramalhetes enlaçados, suplicantes, enquanto uma nuvem de incenso veste toda a cidade em meio a rogatórios e lamentos?

Melindroso: (Chorando) Que texto é esse? Eu tô com medo...

Autoritário: Senhores! Digam a esse idiota que ele é o Rei Taínha, rei dos caramelos e não Rei Édipo!

Confuso: (Improvisando) Ó Rei Taínha o que se passa?

Engraçado: Sou Édipo, meus pobres filhos, e sei bem demais o que vos traz aqui e o que esperais.

Melindroso: (Enxugando as lágrimas) O que nos traz aqui, ó grande caramelo, é a vontade de comer o rei...

Autoritário: (Para Melindroso) É o contrário, lesma!

Engraçado: Meu cunhado Creonte chegas de longe para trazer a resposta do oráculo... Tebanos, hei de lavar a nódoa deste sangue, e não só pelos outros, mas também por minha causa.

Autoritário: (Improvisando) Ó Rei... Nós entendemos (Pega Engraçado pela calça, leva-o num canto - baixinho) Só que se você não parar com essa tragédia grega eu te esfolo aqui mesmo! (Para o público) Senhores, o Rei está exausto, portanto serás levado até seu aposento real...

Engraçado: Não dormirei enquanto não encontrar o ímpio desta terra... (Autoritário dá um tapa na cabeça de Engraçado que cai. Todos se assustam. Aos poucos vai voltando ao normal)

Autoritário: (Para o público) Dando prosseguimento à nossa história, iremos mostrar o ato mais importante... É o momento em que o Rei se apresenta ao seu povo! (Todos aplaudem. Engraçado vai se recuperando)

Confuso: Abram alas para o Rei!

Melindroso: Vossa majestade necessita de algo? (Todos na expectativa. Silêncio)

Engraçado: Sim! Necessito de minha bela noiva. Vá buscá-la! (Todos fazem festa, aliviados. Melindroso coloca um adereço para se caracterizar de mulher)

Melindroso: Aqui estou, aqui estou, meu amo...

Engraçado: Ó minha bela amada aproxime-se de teu rei (Confuso boceja. Algo estranho acontece)

Melindroso: (À parte) Nossa... Que coisa estranha...

Engraçado: Ó bela, o rei tem algo a dizer-lhe! (Melindroso corre até Engraçado – muda a interpretação)

Melindroso: Ó Hamlet, não digas mais nada! Viras meus olhos para o fundo de minha alma. Lá estou vendo manchas tão negras e tão profundas que nunca poderão ser apagadas!

Engraçado: Hamlet? Escuta, eu sou o rei Taínha e não o Hamlet...

Melindroso: Oh! Não me digas mais nada! Essas palavras como se fossem punhais, entram em meus ouvidos. Pára, querido Hamlet, pára!

Confuso: (Para Autoritário) Agora complicou de vez... O que eu faço?

Autoritário: (Baixinho) Improvisa, improvisa!

Confuso: Ó grande rei vou chamar teu vassalo para levar daqui vossa amada que não está passando bem... (Chamando) Vassalo! (Não aparece ninguém. Fica chamando, mas ninguém aparece) Nobres colegas, sinto em informar, mas não temos nenhum ator que possa fazer um vassalo (Todos ficam preocupados, andando de um lado para o outro. De repente, Autoritário vê Mendigo que está acompanhando tudo)

Autoritário: Veja! Este senhor assemelha-se ao que procuramos... (Mendigo fica sem ação)

Confuso: Senhor! Auxilie-nos! Precisamos de um vassalo... Seremos gratos por tal feito...

Autoritário: (Abraçando Mendigo) Ele aceitou... (Para Mendigo) O que tens que fazer é só improvisar... (Para todos) Continuemos a peça!

Engraçado: Chamem meu vassalo para tirar esta mulher daqui!

Melindroso: Não Hamlet! Como pode?

Autoritário: (Para Confuso) Deixe-me fazer... (Chamando Mendigo) Vassalo! Venha até aqui! (Melindroso empurra Mendigo. Sem jeito se aproxima de Autoritário)

Mendigo: Fala, mano!

Autoritário: Fala, mano?

Mendigo: Vai doido, dá o texto!

Autoritário: Er... Er... Tire essa mulher daqui imediatamente, entendeu? (De repente, Engraçado boceja) Pois ela está... (Autoritário para e fica hipnotizado, olhando para Mendigo)

Mendigo: Que que tá pegando?

Autoritário: Romeu?

Mendigo: Como?

Autoritário: Meu Romeu?

Mendigo: Ah não... Cês tão de palhaçada...

Autoritário: Sou eu, meu Romeu... A sua Julieta (Vai agarrar Mendigo)

Mendigo: Sai fora! (Empurra Autoritário)

Autoritário: Ó Romeu, Romeu! Por que és Romeu? Renega teu pai e recusa teu nome; ou se não quiseres, jura-me somente que me amas e não mais serei uma Capuleto... (Agarra Mendigo)

Mendigo: Me solta (Empurra Autoritário que cai e bate a cabeça. Todos voltam ao normal)

Autoritário: (Meio zonzo) O que está acontecendo conosco? (Nesse momento, a trupe começa a se apressar, a sentir necessidade de apresentar a peça a qualquer custo)

Confuso: Senhores! Vejam! (Aponta o público) Estão aguardando o desenlace de nossa trama...

Autoritário: Vamos. Precisamos fazer brilhar nossa encenação! Continue a história!

Confuso: Estando a bela amada diante de seu rei, em seu pomposo palácio, foi ordenado a todos os súditos que a notícia das bodas fosse divulgada aos quatro cantos... (Todos fazem festa) Assim, o Rei prometera um banquete farto a toda a corte.

Mendigo: Gostei dessa parte!

Engraçado: (Fala enquanto vai bocejando) Fiquem a vontade que... que... que... (Clima estranho se instala novamente)

Mendigo: O que houve agora?

Confuso: (Mudando a interpretação) Estranhem o que não for estranho/ Tomem por inexplicável o habitual/ Sintam-se perplexos ante o cotidiano/ Tratem de achar um remédio para o abuso/ Mas não se esqueçam de que o abuso/ É sempre a regra...

Autoritário: Oras, por que disse essas palavras?

Confuso: (Sem entender nada) Não sei... Eu...

Autoritário: Silêncio! (Para Engraçado) Onde paramos?

Engraçado: O Grande Rei iria fazer seu real discurso a todos no banquete!

Autoritário: (Enquanto fala, vai bocejando) Então continuemos! (De repente, um silêncio)

Mendigo: Meu, que foi agora? Que silêncio é esse?

Engraçado: Não há nada a fazer. Me alegra voltar a ver-te. Acreditava que te foras para sempre.

Mendigo: Eu? Está falando comigo?

Engraçado: Como celebraremos este encontro?

Mendigo: Quê?

Engraçado: Pode saber-se onde passou a noite o senhor?

Mendigo: Na sarjeta. Argh... Por que eu respondi isso?

Engraçado: Onde?

Mendigo: Por aí... Argh... De novo... Que palavras são essas que não sei como veem à minha boca... Fui contaminado pela loucura dessa trupe...

Engraçado: E não te sacudiram?

Mendigo: Sim... Não muito... Ah! Alguém me ajude?

Engraçado: Os de sempre?

Mendigo: Os de sempre? ... Meu Deus, por que estou falando isso?

Engraçado: Quando penso... Sempre... Pergunto-me o que teria sido de ti... Sem mim... Sem dúvida, não seria agora mais que um montão de ossos. É muito para um homem sozinho... (Melindroso começa a correr)

Melindroso: Ah! Chega! (Começa a bater na própria cabeça. Todos voltam ao normal) Estamos ficando loucos... Onde estamos? Para onde vamos?

Mendigo: Precisam se lembrar de onde vêm e por que estão falando textos estranhos... Parecem textos de outras peças!

Confuso: Não compreendo... Textos de outras peças?

Mendigo: Quer saber, vou cair fora, essa história tá me deixando doido... (Quando está saindo, confuso chama-lhe a atenção)

Confuso: Estávamos em uma estrada... Estávamos indo ensaiar... E chegamos aqui... (Mostra o público) Essas pessoas... Vê? Vieram ver nossa apresentação... Temos que finalizar nossa encenação... Todos estão aqui para nos ver...

Mendigo: Espere! Acho que está havendo uma grande confusão... Não há pessoas aqui... Não vejo ninguém...

Autoritário: (Avançando contra Mendigo) Como não vê ninguém?! Não está vendo eles, seu vassalo imundo?! Vamos! A peça não pode parar! (Para Confuso) E você o que está fazendo?

Confuso: Eu preciso encontrar... Preciso encontrar... Cadê ele?

Autoritário: Vamos seu ordinário, quem manda nessa companhia sou eu!

Confuso: Vá para o inferno com sua companhia!

Autoritário: Como ousa gritar comigo?! Pagarás caro por isso! (Puxa um punhal e logo em seguida boceja – tudo fica estranho novamente) Vou acabar com você!

Confuso: (Mudando a interpretação) Um momento! Antes de morrer, quero lhe fazer um grande favor.

Autoritário: (Mudando a interpretação) Um favor?

Confuso: Dar-lhe esta gaita de presente. (Puxa um objeto qualquer)

Autoritário: Uma gaita? Para que eu quero uma gaita?

Confuso: Para nunca mais morrer dos ferimentos que a polícia lhe fizer.

Autoritário: Que conversa é essa? Já ouvi falar de chocalho bento que cura mordida de cobra, mas de gaita que cura ferimento de rifle, é a primeira vez...

Confuso: Mas cura. Essa gaita foi benzida por Padre Cícero, pouco antes de morrer.

Autoritário: Eu só acredito vendo...

Confuso: Pois não. Queira Vossa Excelência me ceder seu punhal. (Pega o punhal e vai em direção ao Mendigo) Agora vou dar uma punhalada na barriga de Chicó.

Mendigo: Chicó? Eu? Eu não me chamo Chicó!

Confuso: Sim. Vem cá Chicó

Mendigo: Hei, não vem não...

Confuso: Deixe de moleza, Chicó. Depois eu toco na gaita e você fica vivo de novo! (Murmurando) A bexiga, a bexiga!

Mendigo: Vocês estão hipnotizados. Estão loucos. Eu não sou Chicó. Vocês precisam acordar.

Confuso: Mas eu não disse que toco na gaita? (Todos começam a avançar contra Mendigo)

Mendigo: Calma... Sai pra lá com esse punhal! Preciso arrumar algo como escudo (Pega o guarda-chuva que caira no palco. Abre o mesmo para se proteger da trupe. Quando Confuso vê o objeto, sai do estado hipnótico – assim como os demais – e joga longe o punhal)

Confuso: (Aliviado) Aí está ele!

Mendigo: Ele? Ele quem? (Pega o guarda-chuva da mão do Mendigo)

Confuso: O livro que ganhei do sábio...

Mendigo: Livro? Eu não estou vendo nenhum livro...

Engraçado: Este mesmo aqui... É um presente de casamento que ficamos de entregar ao Duque, em nome do sábio.

Mendigo: Sábio? Que sábio?

Melindroso: O sábio que encontramos quando estávamos a caminho do bosque

Mendigo: Bosque? Que bosque?

Engraçado: Estávamos a caminho do bosque do palácio do Duque... Íamos ensaiar nossa peça para apresentá-la em seu casamento...

Mendigo: Só pode ser brincadeira isso... Um bando de doido dizendo que estava a caminho de um palácio... Aqui não tem nenhum palácio não... Vocês estão na cidade, em pleno século XXI

Engraçado: Pelas chagas de Cristo! Demos um salto no tempo. Precisamos descobrir como chegamos até aqui...

Confuso: (Para Mendigo) Como este livro foi parar em suas mãos?

Mendigo: Um guarda-chuva, você quer dizer...

Autoritário: É um livro!

Mendigo: Que seja! Isso aí surgiu do nada... Logo depois começou a tal tempestade...

Confuso: Então é isso... (Para a Trupe) Caros colegas, quando estávamos na estrada a caminho do bosque, eu abri o livro. Acredito que ele seja o responsável por toda essa confusão, pois é um livro mágico... Para solucionar esse problema, basta abrí-lo novamente...

Autoritário: O que está esperando? Abra logo esse negócio!

Melindroso: E se não conseguirmos voltar? Para onde iremos?

Engraçado: Precisamos nos unir e levar nossa arte conosco. É a única forma de saber para onde vamos

Autoritário: Devo admitir que tens razão... (A trupe ira se juntar formando uma imagem. Confuso, de frente para o público, vai abrir o guarda-chuva descê-lo na direção do rosto e começá-lo a girar rapidamente. O objeto por ser grande irá esconder a trupe. Variação de luz. Barulho ensurdecedor. Efeitos que inferem um tufão. Mendigo tenta se proteger. Variação de luz se intensifica e uma explosão se ouve, depois, silêncio. Confuso Abaixa o guarda-chuva)

Melindroso: Onde estamos?

Engraçado: No mesmo lugar...

Autoritário: Abra o livro novamente!

Confuso: A bateria dele está fraca

Autoritário: Bateria? Fraca? O que dizes?

Melindroso: E agora, o que faremos?

Engraçado: Vamos aguardar o próximo tufão para pegarmos carona até o nosso tempo. Enquanto ele não vem, acho melhor esperarmos sentados... (Todos se sentam)

Mendigo: Se o tufão não vir, talvez o Godot venha!

Autoritário: Quem?

(...)





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